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Aprendendo a usar o inline Assembly do compilador GCC. |
Inline Assembly é uma extensão do compilador que permite inserir código Assembly diretamente no código de saída do compilador. Dessa forma é possível misturar C e Assembly sem a necessidade de usar um módulo separado só para o código em Assembly, além de permitir alguns recursos interessantes que não são possíveis sem o inline Assembly.
{% hint style="info" %} O compilador Clang contém uma sintaxe de inline Assembly compatível com a do GCC, logo o conteúdo ensinado aqui também é válido para o Clang. {% endhint %}
A sintaxe do uso básico é: asm [qualificadores] ( instruções-asm )
.
Onde qualificadores é uma (ou mais) das seguintes palavra-chaves:
- volatile: Isso desabilita as otimizações de código no inline Assembly, mas esse já é o padrão quando se usa o inline ASM básico.
- inline: Isso é uma "dica" para o compilador considerar que o tamanho do código Assembly é o menor possível. Serve meramente para o compilador decidir se vai ou não expandir uma função como inline, e usando esse qualificador você sugere que o código é pequeno o suficiente para isso.
As instruções Assembly ficam dentro dos parênteses como uma string literal e são despejadas no código de saída sem qualquer alteração por parte do compilador. Geralmente se usa \n\t
para separar cada instrução pois isso vai ser refletido literalmente na saída de código. O \n
é para iniciar uma nova linha e o \t
(TAB) é para manter a indentação do código de maneira idêntica ao código gerado pelo compilador.
Exemplo:
#include <stdio.h>
int main(void)
{
asm(
"mov $5, %eax\n\t"
"add $3, %eax\n\t"
);
return 0;
}
Isso produz a seguinte saída ao visualizar o código de saída:
main:
endbr64
pushq %rbp
movq %rsp, %rbp
#APP
# 5 "main.c" 1
mov $5, %eax
add $3, %eax
# 0 "" 2
#NO_APP
movl $0, %eax
popq %rbp
ret
Entre as diretivas #APP
e #NO_APP
fica o código despejado do inline Assembly. A diretiva # 5 "main.c" 1
é apenas um atalho para a diretiva #line
onde ela serve para avisar para o assembler de qual linha (5) e arquivo ("main.c") veio aquele código. Assim se ocorrer algum erro, na mensagem de erro do assembler será exibido essas informações.
Repare que o inline Assembly apenas despeja literalmente o conteúdo da string literal. Logo você pode adicionar o que quiser aí incluindo diretivas, comentários ou até mesmo instruções inválidas que o compilador não irá reclamar.
Também é possível usar inline Assembly básico fora de uma função, como em:
#include <stdio.h>
int add(int, int);
int main(void)
{
printf("%d\n", add(2, 3));
return 0;
}
asm (
"add:\n\t"
" lea (%edi, %esi), %eax\n\t"
" ret"
);
Porém não é possível fazer o mesmo com inline Assembly estendido.
A versão estendida do inline Assembly funciona de maneira semelhante ao inline Assembly básico, porém com a diferença de que é possível acessar variáveis em C e fazer saltos para rótulos no código fonte em C.
A sintaxe da versão estendida segue o seguinte formato:
asm [qualificadores] (
"instruções-asm"
: operandos-de-saída
: operandos-de-entrada
: clobbers
: rótulos-goto
)
Os qualificadores são os mesmos da versão básica porém com mais um chamado goto. O qualificador goto indica que o código Assembly pode efetuar um salto para um dos rótulos listados no último operando. Esse qualificador é necessário para se usar os rótulos no código ASM. Enquanto o qualificador volatile desabilita a otimização de código, que é habilitada por padrão no inline Assembly estendido.
Dentre esses operandos somente os de saída são "obrigatórios", os demais podem ser omitidos. E todos eles podem conter uma lista vazia exceto o de rótulos.
Existe um limite máximo de 30 operandos com a soma dos operandos de saída, entrada e rótulos.
Cada operando de saída é separado por vírgula e contém a seguinte sintaxe:
[nome] "restrições" (variável)
Onde nome
é um símbolo opcional que você pode criar para se referir ao operando no código Assembly. Também é possível se referir ao operando usando %n
, onde n seria o índice do operando (contando a partir de zero). E usar %[nome]
caso defina um nome.
Como o %
é usado para se referir à operandos, no inline Assembly estendido se usa dois %
para se referir à um registrador. Já que %%
é um escape para escrever o próprio %
na saída, da mesma forma que se faz na função printf.
As restrições é uma string literal contendo letras e símbolos indicando como esse operando deve ser armazenado (r para registrador e m para memória, por exemplo). No caso dos operandos de saída o primeiro caractere na string deve ser um =
ou +
. Onde o =
indica que a variável terá seu valor modificado, enquanto +
indica que terá seu valor modificado e lido.
Operandos de saída com +
são contabilizados como dois, tendo em vista que o +
é basicamente um atalho para repetir o mesmo operando também como uma entrada.
Essas informações são necessárias para que o compilador consiga otimizar o código corretamente. Por exemplo caso você indique que a variável será somente escrita com =
mas leia o valor da variável no Assembly, o compilador pode assumir que o valor da variável nunca foi lido e portanto descartar a inicialização dela durante a otimização de código. Isso criaria um comportamento estranho no inline Assembly onde se obteria lixo como valor da variável.
Um exemplo deste erro:
#include <stdio.h>
int main(void)
{
int x = 5;
asm("addl $3, %0"
: "=rm"(x));
printf("%d\n", x);
return 0;
}
A otimização de código pode remover a inicialização x = 5
já que não informamos que o valor dessa variável é lido dentro no inline Assembly. O correto seria usar +
nesse caso.
Um exemplo (dessa vez correto) usando um nome definido para o operando:
#include <stdio.h>
int main(void)
{
int x;
asm("movl $5, %[myvar]"
: [myvar] "=rm"(x));
printf("%d\n", x);
return 0;
}
{% hint style="info" %} Caso utilize um operando que você não tem certeza que será armazenado em um registrador, lembre-se de usar o sufixo na instrução para especificar o tamanho do operando. Para evitar erros é ideal que sempre use os sufixos. {% endhint %}
Os operandos de entrada seguem a mesma sintaxe dos operandos de saída porém sem o =
ou +
nas restrições. Não se deve tentar modificar operandos de entrada (embora tecnicamente seja possível) para evitar erros, lembre-se que o compilador irá otimizar o código assumindo que aquele operando não será modificado.
Também é possível passar expressões literais como operando de entrada ao invés de somente nomes de variáveis. A expressão será avaliada e seu valor passado como operando sendo armazenado de acordo com as restrições.
Clobbers (que eu não sei como traduzir) é basicamente uma lista, separada por vírgula, de efeitos colaterais do código Assembly. Nele você deve listar o que o seu código ASM modifica além dos operandos de saída. Cada valor de clobber é uma string literal contendo o nome de um registrador que é modificado pelo seu código. Também há dois nomes especiais de clobbers:
Clobber | Descrição |
---|---|
cc | Indica que o código ASM modifica as flags do processador (registrador EFLAGS). |
memory | Indica que o código ASM faz leitura ou escrita da/na memória em outro lugar que não seja um dos operandos de entrada ou saída. Por exemplo em uma memória apontada por um ponteiro de um operando. Esse clobber evita que o compilador assuma que os valores das variáveis na memória permanecem os mesmos após a execução do código ASM. E também garante que o compilador escreva o valor de todas as variáveis na memória antes de executar o inline ASM. |
rax | Indica que o registrador RAX será modificado. |
rbx | Indica que o registrador RBX será modificado. |
etc. | ... |
Qualquer nome de registrador é válido para ser usado como clobber exceto o Stack Pointer (RSP). É esperado que no final da execução do inline ASM o valor de RSP seja o mesmo de antes da execução do código. Se não for o código muito provavelmente irá ter problemas no restante da execução.
Quando você adiciona um registrador a lista de clobbers ele não será utilizado para armazenar operandos de entrada ou saída, assim garantindo que o registrador pode ser utilizado livremente no inline ASM sem causar qualquer erro. Isso também garante que o compilador não irá assumir que o valor do registrador permanece o mesmo após a execução do inline ASM.
Exemplo:
int add(int a, int b)
{
int result;
asm("movl %[a], %%eax\n\t"
"addl %[b], %%eax\n\t"
"movl %%eax, %[result]"
: [result] "=rm"(result)
: [a] "r"(a),
[b] "r"(b)
: "cc",
"eax");
return result;
}
Ao usar asm goto
pode-se referir à um rótulo usando o prefixo %l
seguido do índice do operando de rótulo. Onde a contagem inicia em zero e é contabilizado também os operandos de entrada e saída.
Exemplo:
#include <stdio.h>
#include <stdbool.h>
int do_anything(bool value)
{
int result = 3;
asm goto("test %[value], %[value]\n\t"
"jz %l1"
:
: [value] "r"(value)
: "cc"
: my_label);
result += 2;
my_label:
return result;
}
int main(void)
{
printf("%d, %d\n", do_anything(true), do_anything(false));
return 0;
}
Mas felizmente também é possível usar o nome do rótulo no inline Assembly, bastando usar a notação %l[nome]
. O exemplo acima poderia ter a instrução de salto reescrita para jz %l[my_label]
.
As restrições (constraints) são uma lista de caracteres que determinam onde um operando deve ser armazenado. É possível indicar múltiplas alternativas para o compilador simplesmente adicionando mais de uma letra indicando tipos de armazenamento diferentes.
Abaixo a lista de algumas restrições disponíveis no GCC.
Restrição | Descrição |
---|---|
m |
Operando na memória. |
r |
Operando em um registrador de propósito geral. |
i |
Um valor inteiro imediato. |
F |
Um valor floating-point imediato. |
g |
Um operando na memória, registrador de propósito geral ou inteiro imediato. Mesmo efeito que usar "rim" como restrição. |
p |
Um operando que é um endereço de memória válido. |
X |
Qualquer operando é permitido. Basicamente deixa a decisão nas mãos do compilador. |
Restrição | Descrição |
---|---|
R |
Registradores legado. Qualquer um dos oito registradores de propósito geral disponíveis em IA-32. |
q |
Qualquer registrador que seja possível ler o byte menos significativo. Como RAX (AL) ou R8 (R8B) por exemplo. |
Q |
Qualquer registrador que seja possível ler o segundo byte menos significativo, como RAX (AH) por exemplo. |
a |
O registrador "A" (RAX, EAX, AX ou AL). |
b |
O registrador "B" (RBX, EBX, BX ou BL). |
c |
O registrador "C" (RCX, ECX, CX ou CL). |
d |
O registrador "D" (RDX, EDX, DX ou DL). |
S |
RSI, ESI, SI ou SIL. |
D |
RDI, EDI, DI ou DIL. |
A |
O conjunto AX:DX. |
f |
Qualquer registrador do x87. |
t |
ST0 |
u |
ST1 |
y |
Qualquer registrador MMX. |
x |
Qualquer registrador SSE. |
Yz |
XMM0 |
I |
Um inteiro constante entre 0 e 31, usado para shift com valores de 32-bit. |
J |
Um inteiro constante entre 0 e 63, usado para shift com valores de 64-bit. |
K |
Inteiro sinalizado de 8-bit. |
N |
Inteiro não-sinalizado de 8-bit. |
Se você simplesmente declarar rótulos dentro do inline Assembly pode acabar se deparando com uma redeclaração de símbolo por não ter uma garantia de que ele seja único. Mas uma dica é usar o escape especial %=
que expande para um número único para cada uso de asm
, assim sendo possível dar um nome único para os rótulos.
Exemplo:
#include <stdio.h>
#include <stdbool.h>
int do_anything(bool value)
{
int result = 3;
asm("test %[value], %[value]\n\t"
"jz .my_label%=\n\t"
"addl $2, %[result]\n\t"
".my_label%=:"
: [result] "+a"(result)
: [value] "r"(value)
: "cc");
return result;
}
int main(void)
{
printf("%d, %d\n", do_anything(true), do_anything(false));
return 0;
}
Caso prefira usar sintaxe Intel é possível fazer isso meramente compilando o código com -masm=intel
. Isso porque o inline Assembly simplesmente despeja as instruções no arquivo de saída, portanto o código irá usar a sintaxe que o assembler utilizar.
Outra dica é usar a diretiva .intel_syntax noprefix
no início, e depois .att_syntax
no final para religar a sintaxe AT&T para o restante do código. Exemplo:
int add(int a, int b)
{
int result;
asm(".intel_syntax noprefix\n\t"
"lea %[result], [ %[a] + %[b] ]\n\t"
".att_syntax"
: [result] "=a"(result)
: [a] "r"(a),
[b] "r"(b));
return result;
}
Ao usar o storage-class register
é possível escolher em qual registrador a variável será armazenada usando a seguinte sintaxe:
register int x asm("r12") = 5;
Nesse exemplo a variável x
obrigatoriamente seria alocada no registrador R12.
Também é possível escolher o nome do símbolo para variáveis locais com storage-class static
ou para variáveis globais. Como em:
static int x asm("my_var") = 5;
A variável no código fonte é referida como x
mas o símbolo gerado para a variável seria definido como my_var
.